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Despegou as mãos de sobre o peito.

_ E vão morrendo todas as pessoas notáveis, já não há mais ninguém notável. Só restam o sr. visconde de Barbacena, O sr. marquês de Paranaguá e mais dOis Outros.

Houve uma longa pausa. Como este cocheiro estava do outrO lado da vida! Quinze anos apenas tinham levado o seu mundo e O seu carro para a velha poeira da história! Ele falava cOmO um eco, e estava ali, Olhando O boulevard reformado, pensando nos bons tempos das missas na catedral e das moradas reais, hoje ocupadas pela burocracia republicana. . .

_ O Braga é O mais Velho cocheiro do Rio?

_ Não senhor; é o Bamba, que cOmeçOu em 1864.

Neste mOmentO, outros cocheirOs moços, limpos, de grandes calças abombachadas foram aproximando Os carros, com vontade de saber o que retinha um cavalheiro tanto tempo a prosar cOm O velho. Logo se fez um barulho de rodas e de vozes.

_ Ó Braga, ó Velho, despacha O freguês! tem aqui um carro bom, vossa senhoria! O Braga, pOssO servir?

Braga cruzou outra vez as mãos nO peito, com um sereno olhar indiferente. Que dor o havia de trespassar! Murmurei com pena:

_ Bom, adeus, meu Braga. E onde pára o Bamba?

_ Na Estrada, pára na Estrada. As ordens do menino, respondeu ele do alto.

Já agora era impossível deixar de ver o outro, de conhecer o mais antigo cocheiro do Rio! Tomei um bonde da Central. A tarde morria em lento e vermelho crepúsculo. No céu brilhava a primeira estrela trêmula e luminosa, e os combustores acendiam a sua luz azul quando saltei na Praça da Aclamação. E foi um grande trabalho. Eu ia de carro em carro.

_ Pode informar onde pára o Bamba ?

Uns diziam que o Bamba caíra e fora para o hospital, outros, os moços, riam de que se fosse procurar um cocheiro inútil como o Bamba, outros asseguravam que o velho não trabalhava mais. Afinal, quase defronte da porta do Quartel, encontrei um landau empoeirado, desses que parecem arcas e acomodam à vontade seis pessoas.

Da boleia um mulato velho falava para um gordo ancião, muito gordo, muito estragado...

_ Sabe você dizer quem é e onde está o Bamba?

O mulato riu.
_ É este, patrão...
O gorduchão abriu a boca, onde faltavam os dentes.

_ Já não trabalho de noite: tenho 70 anos. Não vejo. Desde 1864 que estou no serviço. Outro dia quase morro; caí da boleia. Tenho as pernas duras.

_ Bamba, meu Velho...

_ Sou o primeiro cocheiro, o mais velho, não há nenhum mais Velho...

Eu Voltei-me para o mulato, interroguei-o quase em segredo: _ Mas que diabo Vem ele fazer aqui, assim? O mulato sorriu com tristeza.

_ Sei lá! É o cheiro, vossa senhoria, é o cheiro! Quando a gente começa nesta vida, não pode viver sem ela...E o cheiro.

A praça vibrava numa estrepitosa animação, os Combustores reverberavam em iluminações fantásticas, e, só, no Céu calmo, Como uma hóstia de tristeza, a velha lua esticava a triste foice do seu crescente.

Presepes

Deus vos salve casa santa

Onde Deus fez a morada

Onde mora O bento cálix

E a hóstia consagrada.

Que sabemos nós da Epifania? Homens de leve erudição e de fé sem vigor, andamos a sutilizar velhOs textos e antigos costumes, e tanto sutilizamOs que a dúvida acomete O nosso espírito e a confusão perturba a viagem dos três Reis com Os vestígios das saturnais e das bodas de Caná. Nem os sacerdotes nos altares nem os eruditos em livros fartos, ninguém hoje conseguirá explicar claramente a suave aparição e a festa simples que O povo realiza, fazendo vir de alta montanha, guiados por uma estrela loira, Gaspar, Melchior e Baltasar cOm a oferenda de

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