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_ Tudo tem uma explicação neste mundo!

_All right!

Alll right, sim! Os títulos das casas, por mais absurdos, como Filhos do Céu, por exemplo, têm uma explicação que convence. Há os nefelibatas, os patrióticos 19 de Janeiro, d. Carlos; o diplomático União Ibérica, os que engrossam uma certa classe, e até um, na Rua Frei Caneca, pertencente ao riquíssimo Pinho, cujo título é uma profunda lição filosófica. O hotel intitula-se Comércio e Arte...

Os pintores desse gênero criaram uma especialidade: são os moralistas da decadência e usam também tabuletas. Um mesmo, talvez por ter sofrido muito de cara alegre, pôs na Rua de S. Pedro este anúncio: Fulano de Tal, Pintor de Fingimentos. E realmente eles aturam tanto dos proprietários! Um deles, rapazito inteligente, era encarregado de fazer a fachada da Casa do Pinto. Fez as letras e pintou um pintainho. O proprietário enfureceu:

_ Que tolice é esta?

_ Um pinto.

_ E que tenho eu com isso?

_ O senhor não é Pinto?

_ O meu nome é Pinto, mas eu sou galo, muito galo.

Pinte-me aí um galo às direitas!

E outro, encarregado de fazer as letras de uma casa de móveis, vendem-se móveis quando o negociante veio a ele:

_ Você está maluco ou a mangar Comigo!

_ Por quê?

_ Que plural é esse? Vendem-se, vendem-se... Quem vende sou eu e sem sócios, ouviu? Corte o m, ande!

As letras custam dinheiro, Custam aos pobres pintores... O rapaz ficou sem o m que fizera Com tanta perícia. Mas também, por que estragar? Em S. Cristóvão havia uma Pharmacia S. Cristóvão. Desapareceu. Foi a primeira que fez isso na terra, desde que há farmácias. Foram para lá outros negociantes. Como aproveitar algumas letras? Lembraram foco, e, Como a Academia não Chega os seus Cuidados ortográficos às tabuletas, arrumaram Phoco de S. Cristóvão. Estava uma tabuleta nova só Com três letras novas.

Os pintores de tabuletas resignam-se. Eles, os escritores desse grande livrO colorido da cidade, têm a paciência lendária dos iluministas medievos, eles fazem parte da grande massa para que o Reclamo foi criado _ são pobres. Talvez pOr isso, um mais ousado, de acordo com certo açougueiro antigo da Praça da Aclamação, pintando uma vez o letreiroAçougue Pai dos Pobres, pôs bem no meio uma cabeça de boi colossal, arregalando os olhos, que Homero achava belos, cOmo o símbolo de todas as resignações...

E é decerto este O lado mais triste das tabuletas - brasões da democracia, escudos bizarros da cidade.

Visões d'Ópio

_ Os comedores de ópio?

Era às seis da tarde, defronte do mar. Já o sol morrera e os espaços eram pálidos e azuis. As linhas da cidade se adoçavam na claridade de opala da tarde maravilhosa. Ao longe, a bruma envolvia as fortalezas, escalava os céus, cortava o horizonte numa longa barra cor de malva e, emergindo dessa agonia de cores, mais negros ou mais vagos, os montes, o Pão de Açúcar, S. Bento, o Castelo apareciam num tranquilo esplendor. Nós estávamos em Santa Luzia, defronte da Misericórdia, onde tínhamos ido ver um pobre rapaz eterômano, encontrado à noite com o crânio partido numa rua qualquer. A aragem rumorejava em cima a trama das grandes mangueiras folhudas, dos tamarindeiros e dos flamboyants, e a paisagem tinha um ar de sonho. Não era a praia dos pescadores e dos vagabundos tão nossa conhecida, era um trecho de Argel, de Nice, um panorama de visão sob as estrelas doiradas.

_ Sim, dizia-me o amigo com quem eu estava, o éter é um vício que nos evola, um vício de aristocracia. Eu conheço outros mais brutais _ o ópio, o desespero do ópio.

_ Mas aqui!

_ Aqui. Nunca frequentou os chins das ruas da cidade Velha, nunca conversou com essas caras cor de goma que param detrás do Necrotério e são perseguidos, a pedrada, pelos ciganos exploradores? Os senhores não conhecem esta grande cidade que Estácio de Sá defendeu um dia dos franceses. O Rio é o porto de mar, é cosmópolis num caleidoscópio, é a praia com a vaza que o oceano lhe traz.

Há de tudo _ Vícios, horrores, gente de variados matizes, niilistas rumaicos, professores russos na miséria, anarquistas espanhóis, ciganos debochados. Todas as raças trazem qualidades que aqui desabrocham numa seiva delirante. Porto de mar, meu caro! Os chineses são o resto da famosa imigração, Vendem peixe na praia e vivem entre a Rua da Misericórdia e a Rua d. Manuel. As 5 da tarde deixam o trabalho e metem-se em casa para as tremendas fumeries. Quer Vê-los agora?

Não resisti. O meu amigo, a pé, num passo calmo, ia sentenciando:

_ Tenho a indicação de quatro ou cinco casas. Nós entramos como fornecedores de ópio. Você veio de Londres, tem um quilo, cerca de 600 gramas de ópio de Bombaim. Eu levo as amostras.

Caminhávamos pela Rua da Misericórdia àquela hora cheia de um movimento febril, nos corredores das hospedarias, à porta dos

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