Agora tu, Calliope, me ensina
O que contou ao Rei o illustre Gama: Inspira immortal canto e voz divina Neste peito mortal, que tanto te ama. Assi o claro inventor da medicina,
De quem Orpheo pariste, ó linda dama, Nunca por Daphne, Clycie, ou Leucothoe,
Te negue o amor devido, como soe.
Põe tu, Nympha, em effeito meu desejo, Como merece a gente Lusitana; Que veja e saiba o mundo, que do Tejo O licor de Aganippe corre e mana. Deixa as flores do Pindo, que já vejo Banhar-me Apollo na agua soberana; Senão direi, que tens algum receio, Que se escureça o teu querido Orpheio.
Promptos estavam todos escuitando 0 que o sublime Gama contaria;
Quando, despois de hum pouco estar cuidando, Alevantando o rosto, assi dizia:
Mandas-me, ó Rei, que conte declarando De minha gente a grão genealogia:
Não me mandas contar estranha historia, Mas mandas-me louvar dos meus a gloria.
Que outrem possa louvar esforço alheio, Cousa he que se costuma e se deseja; Mas louvar os meus proprios, arreceio Que louvor tão suspeito mal me esteja; E para dizer tudo, temo e creio
Que qualquer longo tempo curto seja : Mas pois o mandas, tudo se te deve; Irei contra o que devo, e serei breve.
Alem disso, o que a tudo em fim me obriga, He não poder mentir no que disser,
Porque de feitos taes, por mais que diga,
Mais me ha de ficar inda por dizer:
Mas, porque nisto a ordem leve e siga, Segundo o que desejas de saber, Primeiro tratarei da larga terra, Despois direi da sanguinosa guerra.
Entre a zona, que o Cancro senhorea, Meta septentrional do Sol luzente, E aquella, que por fria se arrecea Tanto, como a do meio por ardente, Jaz a soberba Europa, a quem rodea, Pela parte do Arcturo e do Occidente, Com suas salsas ondas o Oceano, E pela Austral, o mar Mediterrano.
Da parte donde o dia vem nascendo, Com Asia se avizinha: mas o rio, Que dos montes Rhipheios vai correndo Na alagoa Meotis, curvo e frio,
As divide, e o mar, que fero e horrendo Vio dos Gregos o irado senhorio, Onde agora de Troia triumphante
Não vê mais que a memoria o navegante.
Lá onde mais debaixo está do polo, Os montes Hyperboreos apparecem, E aquelles onde sempre sopra Eolo, E co'o nome dos sopros se ennobrecem: Aqui tão pouca força tem de Apollo Os raios, que no mundo resplandecem, Que a neve está contino pelos montes, Gelado o mar, geladas sempre as fontes.
Aqui dos Scythas grande quantidade Vivem, que antiguamente grande guerra Tiveram sobre a humana antiguidade Co'os que tinham então a Egypcia terra: Mas quem tão fóra estava da verdade. (Já que o juizo humano tanto erra), Para que do mais certo se informara, Ao campo Damasceno o perguntara.
Agora nestas partes se nomea A Lappia fria, a inculta Noruega; Escandinavia ilha, que se arrea Das victorias, que Italia não lhe nega. Aqui, em quanto as aguas não refrea O congelado inverno, se navega Hum braço do Sarmatico Oceano, Pelo Brusio, Suecio e frio Dano.
Entre este mar e o Tanais vive estranha Gente, Ruthenos, Moscos e Livonios, Sarmatas outro tempo; e na montanha Hercyna, os Marcomanos são Polonios. Sujeitos ao imperio de Allemanha
São Saxones, Bohemios e Pannonios, E outras varias nações, que o Rheno frio Lava, e o Danubio, Amasis e Albis rio.
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