Pelos portaes da cerca a subtileza Se enxerga da Dedálea faculdade, Em figuras mostrando, por nobreza, Da India a mais remota antiguidade: Affiguradas vão com tal viveza As historias daquella antigua idade, Que quem dellas tiver noticia inteira, Pela sombra conhece a verdadeira.
Estava hum grande exercito, que pisa A terra Oriental, que o Hydaspe lava; Rege-o hum capitão de fronte lisa, Que com frondentes thyrsos pelejava: Por elle edificada estava Nysa Nas ribeiras do rio, que manava; Tão proprio, que se ali estiver Semele, por certo, que he seu filho aquelle.
Mais avante bebendo secca o rio Mui grande multidão da Assyria gente, Sujeita a feminino senhorio
De huma tão bella, como incontinente: Ali tem junto ao lado nunca frio, Esculpido o feroz ginele ardente, Com quem teria o filho competencia: Amor nefando, bruta incontinencia!
D'aqui mais apartadas tremolavam As bandeiras de Grecia gloriosas, Terceira monarchia, e subjugavam Até as aguas Gangeticas undosas: D'hum capitão mancebo se guiavam, De palmas rodeado valerosas, Que já não de Philippo, mas sem falta, De progenie de Jupiter se exalta.
Os Portuguezes vendo estas memorias, Dizia o Catual ao Capitão:
Tempo cedo virá, que outras victorias Estas, que agora olhais, abaterão: Aqui se escreverão novas historias Por gentes estrangeiras, que virão; Que os nossos sabios magos o alcançaram, Quando o tempo futuro especularam.
E diz-lhe mais a magica sciencia, Que para se evitar força tamanha, Não valerá dos homens resistencia, Que contra o Ceo não val da gente manha: Mas tambem diz, que a bellica excellencia Nas armas e na paz, da gente estranha Será tal, que será no mundo ouvido O vencedor, por gloria do vencido.
Assi fallando entravam já na sala, Onde aquelle potente Imperador N'huma camilla jaz, que não se iguala De outra alguma no preço e no lavor: No recostado gesto se assinala Hum venerando e prospero senhor: de ouro cinge, e na cabeça
De preciosas gemmas se adereça.
Bem junto delle hum velho reverente, Co'os giolhos no chão, de quando em quando Lhe dava a verde folha da herva ardente,
Que a seu costume estava ruminando. Hum Brahmene, pessoa preeminente, Para o Gama vem com passo brando, Para que ao grande Principe o apresente, Que diante lhe acena, que se assente.
Sentado o Gama junto ao rico leito, Os seus mais afastados, prompto em vista Estava o Samorim no trajo e geito Da gente, nunca de antes delle vista: Lançando a grave voz do sabio peito, Que grande autoridade logo aquista Na opinião do Rei e do povo todo, O Capitão lhe falla deste modo:
Hum grande Rei de lá das partes, onde O ceo volubil, com perpetua roda.
Da terra a luz solar co'a terra esconde, Tingindo a que deixou de escura noda, Ouvindo do rumor que lá responde O ecco, como em ti da India toda O principado está, e a magestade, Vinculo quer comtigo de amizade.
E por longos rodeios a ti manda. Por te fazer saber, que tudo aquillo,
Que sobre o mar, que sobre as terras anda, De riquezas, de lá do Tejo ao Nilo,
E desde a fria plaga de Zelanda,
Até bem donde o Sol não muda o estvlo Nos dias, sobre a gente de Ethiopia. Tudo tem no seu reino em grande copia.
E se queres com pactos e lianças
paz e de amisade sacra e nua, Commercio consentir das abondanças Das fazendas da terra sua e tua, Porque cresçam as rendas e abastanças (Por quem a gente mais trabalha e sua) De vossos reinos: será certamente De ti proveito, e delle gloria ingente.
E sendo assi, que o nó desta amizade Entre vós firmemente permaneça, Estará prompto a toda adversidade, Que por guerra a teu reino se offereça, Com gente, armas e naos; de qualidade Que por irmão te tenha e te conheça: E da vontade em ti sobre isto posta Me dês a mi certissima resposta.
Tal embaixada dava o Capitão, A quem o Rei gentio respondia, Que em ver embaixadores de nação Tão remota, grão gloria recebia; Mas neste caso a ultima tenção Com os de seu conselho tomaria, Informando-se certo, de quem era O Rei, e a gente e terra, que dissera.
E que em tanto podia do trabalho Passado ir repousar, e em tempo breve Daria a seu despacho hum justo talho, Com que a seu Rei resposta alegre leve. Já nisto punha a noite o usado atalho Ás humanas canseiras, porque ceve De doce somno os membros trabalhados, Os olhos occupando ao ocio dados.
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