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LI

Pelos portaes da cerca a subtileza
Se enxerga da Dedálea faculdade,
Em figuras mostrando, por nobreza,
Da India a mais remota antiguidade:
Affiguradas vão com tal viveza
As historias daquella antigua idade,
Que quem dellas tiver noticia inteira,
Pela sombra conhece a verdadeira.

LII

Estava hum grande exercito, que pisa
A terra Oriental, que o Hydaspe lava;
Rege-o hum capitão de fronte lisa,
Que com frondentes thyrsos pelejava:
Por elle edificada estava Nysa
Nas ribeiras do rio, que manava;
Tão proprio, que se ali estiver Semele,
por certo, que he seu filho aquelle.

Dirá

LIII

Mais avante bebendo secca o rio
Mui grande multidão da Assyria gente,
Sujeita a feminino senhorio

De huma tão bella, como incontinente:
Ali tem junto ao lado nunca frio,
Esculpido o feroz ginele ardente,
Com quem teria o filho competencia:
Amor nefando, bruta incontinencia!

LIV

D'aqui mais apartadas tremolavam
As bandeiras de Grecia gloriosas,
Terceira monarchia, e subjugavam
Até as aguas Gangeticas undosas:
D'hum capitão mancebo se guiavam,
De palmas rodeado valerosas,
Que já não de Philippo, mas sem falta,
De progenie de Jupiter se exalta.

LV

Os Portuguezes vendo estas memorias,
Dizia o Catual ao Capitão:

Tempo cedo virá, que outras victorias
Estas, que agora olhais, abaterão:
Aqui se escreverão novas historias
Por gentes estrangeiras, que virão;
Que os nossos sabios magos o alcançaram,
Quando o tempo futuro especularam.

LVI

E diz-lhe mais a magica sciencia,
Que para se evitar força tamanha,
Não valerá dos homens resistencia,
Que contra o Ceo não val da gente manha:
Mas tambem diz, que a bellica excellencia
Nas armas e na paz, da gente estranha
Será tal, que será no mundo ouvido
O vencedor, por gloria do vencido.

LVII

Assi fallando entravam já na sala,
Onde aquelle potente Imperador
N'huma camilla jaz, que não se iguala
De outra alguma no preço e no lavor:
No recostado gesto se assinala
Hum venerando e prospero senhor:
de ouro cinge, e na cabeça

Hum panno

De preciosas gemmas se adereça.

LVIII

Bem junto delle hum velho reverente,
Co'os giolhos no chão, de quando em quando
Lhe dava a verde folha da herva ardente,

Que a seu costume estava ruminando.
Hum Brahmene, pessoa preeminente,
Para o Gama vem com passo brando,
Para que ao grande Principe o apresente,
Que diante lhe acena, que se assente.

LIX

Sentado o Gama junto ao rico leito,
Os seus mais afastados, prompto em vista
Estava o Samorim no trajo e geito
Da gente, nunca de antes delle vista:
Lançando a grave voz do sabio peito,
Que grande autoridade logo aquista
Na opinião do Rei e do povo todo,
O Capitão lhe falla deste modo:

LX

Hum grande Rei de lá das partes, onde
O ceo volubil, com perpetua roda.

Da terra a luz solar co'a terra esconde,
Tingindo a que deixou de escura noda,
Ouvindo do rumor que lá responde
O ecco, como em ti da India toda
O principado está, e a magestade,
Vinculo quer comtigo de amizade.

LXI

E por longos rodeios a ti manda.
Por te fazer saber, que tudo aquillo,

Que sobre o mar, que sobre as terras anda,
De riquezas, de lá do Tejo ao Nilo,

E desde a fria plaga de Zelanda,

Até bem donde o Sol não muda o estvlo
Nos dias, sobre a gente de Ethiopia.
Tudo tem no seu reino em grande copia.

LXII

E se queres com pactos e lianças

De

paz e de amisade sacra e nua, Commercio consentir das abondanças Das fazendas da terra sua e tua, Porque cresçam as rendas e abastanças (Por quem a gente mais trabalha e sua) De vossos reinos: será certamente De ti proveito, e delle gloria ingente.

LXIII

E sendo assi, que o nó desta amizade
Entre vós firmemente permaneça,
Estará prompto a toda adversidade,
Que por guerra a teu reino se offereça,
Com gente, armas e naos; de qualidade
Que por irmão te tenha e te conheça:
E da vontade em ti sobre isto posta
Me dês a mi certissima resposta.

LXIV

Tal embaixada dava o Capitão,
A quem o Rei gentio respondia,
Que em ver embaixadores de nação
Tão remota, grão gloria recebia;
Mas neste caso a ultima tenção
Com os de seu conselho tomaria,
Informando-se certo, de quem era
O Rei, e a gente e terra, que dissera.

LXV

E que em tanto podia do trabalho
Passado ir repousar, e em tempo breve
Daria a seu despacho hum justo talho,
Com que a seu Rei resposta alegre leve.
Já nisto punha a noite o usado atalho
Ás humanas canseiras, porque ceve
De doce somno os membros trabalhados,
Os olhos occupando ao ocio dados.

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