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XXI

O reino de Cambaia bellicoso,
(Dizem que foi de Poro, Rei potente)
O reino de Narsinga, poderoso

Mais de ouro e pedras, que de forte gente:
Aqui se enxerga lá do mar undoso
Hum monte alto, que corre longamente,
Servindo ao Malabar de forte muro,

Com do Canará vive seguro.

que

XXII

combate

Da terra os naturaes lhe chamam Gate,
Do pé do qual pequena quantidade
Se estende hua fralda estreita, que
Do mar a natural ferocidade:
Aqui de outras cidades, sem debate,
Calecut tem a illustre dignidade
De cabeça de imperio rica e bella:
Samorim se intitula o senhor della.

XXIII

Chegada a frota ao rico senhorio,
Hum Portuguez mandado logo parte,
A fazer sabedor o Rei gentio
Da vinda sua a tão remota parte.
Entrando o mensageiro pelo rio,

Que ali nas ondas entra, a não vista arte,
A côr, o gesto estranho, o trajo novo,

Fez concorrer a vê-lo todo o povo.

XXIV

Entre a gente, que a vê-lo concorria,
Se chega hum Mohometa, que nascido
Fôra na região da Berberia,

Lá onde fôra Anteo obedecido:
Ou pela vizinhança já teria
O reino Lusitano conhecido,
Ou foi já assinalado de seu ferro,

Fortuna o trouxe a tão longo desterro.

XXV

Em vendo o mensageiro, com jocundo
Rosto, como quem sabe a lingua Hispana,
Lhe disse: Quem te trouxe a est'outro mundo,
Tão longe da tua patria Lusitana?
Abrindo, lhe responde, o mar profundo,
Por onde nunca veio gente humana,
Vimos buscar do Indo a grão corrente,
Por onde a Lei divina se accrescente.

XXVI

Espantado ficou da grão viagem

O Mouro, que Monçaide se chamava,
Ouvindo as oppressões, que na passagem
Do mar o Lusitano lhe contava:

Mas vendo em fim, que a força da mensagem

para o Rei da terra relevava,

Lhe diz, que estava fóra da cidade,

Mas de caminho pouca quantidade:

XXVII

E

que, em tanto que a nova lhe chegasse De sua estranha vinda, se queria,

Na sua pobre casa repousasse,

E do manjar da terra comeria;

E despois que se hum pouco recreasse,
Com elle para a armada tornaria;
Que alegria não pode ser tamanha,

Que achar gente vizinha em terra estranha,

XXVIII

O Portuguez aceita de vontade

0 que o ledo Monçaide lhe offerece;
Como se longa fóra já a amizade,
Com elle come e bebe, e lhe obedece:
Ambos se tornam logo da cidade

Para a frota, que o Mouro bem conhece;
Sobem á capitaina, e toda a gente
Monçaide recebeo benignamente.

XXIX

O Capitão o abraça em cabo ledo,
Ouvindo clara a lingua de Castella,
Junto de si o assenta, e prompto e quedo,
Pela terra pergunta e cousas della.

Qual se ajuntava em Rhodope o arvoredo,

por ouvir o amante da donzella Eurydice, tocando a lyra de ouro, Tal a gente se ajunta a ouvir o Mouro.

Elle começa:

Ó

XXX

gente, que a natura Vizinha fez de meu paterno ninho, Que destino tão grande, ou que ventura, Vos trouxe a commetterdes tal caminho? Não he sem causa, não, occulta e escura, Vir do longinquo Tejo e ignoto Minho, Por mares nunca d'outro lenho arados, A reinos tão remotos e apartados.

Deos

XXXI

por certo vos traz, porque pretende Algum serviço seu, por vós obrado: Por isso só vos guia e vos defende Dos imigos, do mar, do vento irado. Sabei, que estais na India, onde se estende Diverso povo, rico, e prosperado De ouro luzente, e fina pedraria,

Cheiro suave, ardente especiaria.

XXXII

Esta provincia, cujo porto agora
Tomado tendes, Malabar se chama:
Do culto antiguo os idolos adora,
Que cá por estas partes se derrama:
De diversos Reis he, mas d'hum só fôra
N'outro tempo, segundo a antigua fama:
Saramá Perimal foi derradeiro

Rei, que este reino teve unido e inteiro.

XXXIII

Porém como a esta terra então viessem
De lá do seio Arabico outras gentes,
Que o culto Mahometico trouxessem,
No qual me instituiram meus parentes,
Succedeo, que pregando convertessem
O Perimal, de sabias e eloquentes;
Fazem-lhe a lei tomar com fervor tanto,
Que presuppoz de nella morrer santo.

XXXIV

Náos arma, e nellas mette curioso
Mercadoria, que offereça, rica,
Para ir nellas a ser religioso,
Onde o propheta jaz, que a lei publica:
Antes que parta, o reino poderoso
Co'os seus reparte, porque não lhe fica
Herdeiro proprio; faz os mais aceitos,
Ricos de pobres, livres de sujeitos.

XXXV

A hum Cochim, e a outro Cananor,
A qual Chalé, a qual a ilha da Pimenta,
A qual Coulão, a qual dá Cranganor,
E os mais, a quem o mais serve e contenta.
Hum só moço, a quem tinha muito amor,
Despois que tudo deo, se lhe apresenta:
Para este Calecut sómente fica,
Cidade já por trato nobre e rica.

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