O reino de Cambaia bellicoso, (Dizem que foi de Poro, Rei potente) O reino de Narsinga, poderoso
Mais de ouro e pedras, que de forte gente: Aqui se enxerga lá do mar undoso Hum monte alto, que corre longamente, Servindo ao Malabar de forte muro,
Com do Canará vive seguro.
Da terra os naturaes lhe chamam Gate, Do pé do qual pequena quantidade Se estende hua fralda estreita, que Do mar a natural ferocidade: Aqui de outras cidades, sem debate, Calecut tem a illustre dignidade De cabeça de imperio rica e bella: Samorim se intitula o senhor della.
Chegada a frota ao rico senhorio, Hum Portuguez mandado logo parte, A fazer sabedor o Rei gentio Da vinda sua a tão remota parte. Entrando o mensageiro pelo rio,
Que ali nas ondas entra, a não vista arte, A côr, o gesto estranho, o trajo novo,
Fez concorrer a vê-lo todo o povo.
Entre a gente, que a vê-lo concorria, Se chega hum Mohometa, que nascido Fôra na região da Berberia,
Lá onde fôra Anteo obedecido: Ou pela vizinhança já teria O reino Lusitano conhecido, Ou foi já assinalado de seu ferro,
Fortuna o trouxe a tão longo desterro.
Em vendo o mensageiro, com jocundo Rosto, como quem sabe a lingua Hispana, Lhe disse: Quem te trouxe a est'outro mundo, Tão longe da tua patria Lusitana? Abrindo, lhe responde, o mar profundo, Por onde nunca veio gente humana, Vimos buscar do Indo a grão corrente, Por onde a Lei divina se accrescente.
Espantado ficou da grão viagem
O Mouro, que Monçaide se chamava, Ouvindo as oppressões, que na passagem Do mar o Lusitano lhe contava:
Mas vendo em fim, que a força da mensagem
para o Rei da terra relevava,
Lhe diz, que estava fóra da cidade,
Mas de caminho pouca quantidade:
que, em tanto que a nova lhe chegasse De sua estranha vinda, se queria,
Na sua pobre casa repousasse,
E do manjar da terra comeria;
E despois que se hum pouco recreasse, Com elle para a armada tornaria; Que alegria não pode ser tamanha,
Que achar gente vizinha em terra estranha,
O Portuguez aceita de vontade
0 que o ledo Monçaide lhe offerece; Como se longa fóra já a amizade, Com elle come e bebe, e lhe obedece: Ambos se tornam logo da cidade
Para a frota, que o Mouro bem conhece; Sobem á capitaina, e toda a gente Monçaide recebeo benignamente.
O Capitão o abraça em cabo ledo, Ouvindo clara a lingua de Castella, Junto de si o assenta, e prompto e quedo, Pela terra pergunta e cousas della.
Qual se ajuntava em Rhodope o arvoredo,
por ouvir o amante da donzella Eurydice, tocando a lyra de ouro, Tal a gente se ajunta a ouvir o Mouro.
gente, que a natura Vizinha fez de meu paterno ninho, Que destino tão grande, ou que ventura, Vos trouxe a commetterdes tal caminho? Não he sem causa, não, occulta e escura, Vir do longinquo Tejo e ignoto Minho, Por mares nunca d'outro lenho arados, A reinos tão remotos e apartados.
por certo vos traz, porque pretende Algum serviço seu, por vós obrado: Por isso só vos guia e vos defende Dos imigos, do mar, do vento irado. Sabei, que estais na India, onde se estende Diverso povo, rico, e prosperado De ouro luzente, e fina pedraria,
Cheiro suave, ardente especiaria.
Esta provincia, cujo porto agora Tomado tendes, Malabar se chama: Do culto antiguo os idolos adora, Que cá por estas partes se derrama: De diversos Reis he, mas d'hum só fôra N'outro tempo, segundo a antigua fama: Saramá Perimal foi derradeiro
Rei, que este reino teve unido e inteiro.
Porém como a esta terra então viessem De lá do seio Arabico outras gentes, Que o culto Mahometico trouxessem, No qual me instituiram meus parentes, Succedeo, que pregando convertessem O Perimal, de sabias e eloquentes; Fazem-lhe a lei tomar com fervor tanto, Que presuppoz de nella morrer santo.
Náos arma, e nellas mette curioso Mercadoria, que offereça, rica, Para ir nellas a ser religioso, Onde o propheta jaz, que a lei publica: Antes que parta, o reino poderoso Co'os seus reparte, porque não lhe fica Herdeiro proprio; faz os mais aceitos, Ricos de pobres, livres de sujeitos.
A hum Cochim, e a outro Cananor, A qual Chalé, a qual a ilha da Pimenta, A qual Coulão, a qual dá Cranganor, E os mais, a quem o mais serve e contenta. Hum só moço, a quem tinha muito amor, Despois que tudo deo, se lhe apresenta: Para este Calecut sómente fica, Cidade já por trato nobre e rica.
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