Imagens da página
PDF
ePub

SONETO

Feito na cerca em Chellas. (1)

DEITEI-ME

EITEI-ME sobre a fresca relva um dia,

E dando a um somno leve alguns instantes
C'os prazeres sonhei, que lá distantes
Debuxava a estragada fantasia.

Saturno vagaroso me trazia

Um diadema de lucidos diamantes,
Enramado de myrtos odorantes,
O qual Cypria na fronte me cingia.

A Fortuna risonha se mostrava;

Mas no disco da roda vacillando,
Voltando-a, me levou quanto eu sonhava.

Já Delio para os mares ía olhando,

E Boreas, que raivoso murmurava,

Me acordou, como d'antes, suspirando.

(1) É o primeiro soneto que fiz.

(Nota da Auctora).

SONETO

QUE

Feito ao pé de uma oliveira, na cérca.

UE me falta? A vida me sobeja,

Obsequios da fortuna não espero,

Nem riquezas, nem gostos eu já quero,
Nem quanto pelo mundo se deseja.

Vive o homem feliz, não tenho inveja,
Se desgraçado, não me desespero,
E em quanto no mundo considero
Sempre indiff'rente estou, seja ou não seja.

De glorias e paixões o peito isento,

Não sinto nem prazer, nem pena intensa,
Que mais tarde ou mais cedo as leva o vento.

Nem disto quero outra recompensa

Que o conservar-me o Ceo o pobre alento,
Pois com elle conservo esta indiff'rença.

SONETO.

SOBRE as margens de um rio, que fugindo

O seu centro procura velozmente,
Estou gozando o prazer mais innocente,
A vida mais feliz 'stou possuindo.

Imagino que os echos 'stão sentindo,
Armila nomear finjo contente,

Que cedendo uns aos outros brandamente
Seu nome me vão sempre repetindo.

Que os Zephyros s'escutam susurrando,
Que as aves desafiam com ternura
Uns suspiros que a selva estão magoando.

Depois não sei que affecto, ou que doçura Se me vai dentro d'alma derramando, Que adormeço, forçada da brandura.

SONETO.

JUNTO

UNTO ás margens de um rio docemente
Com meus tristes suspiros altercando,
A viva apprehensão ía pintando.
Passadas glorias no cristal luzente.

Mas quando n'esta idéa mais contente
O coração se estava recreando,
Despenhou-se do peito o gosto brando,
Envolto com a rapida corrente.

Lá vão parar meus gostos no Oceano,
Ficando inanimado o peito e frio,
Que o recreio buscou só por seu damno.

Acabou-se o contente desvario,

E meus olhos saudosos do engano
Quasi querem formar um novo rio.

[ocr errors]
« AnteriorContinuar »