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DESPERTA,

HYMNO MATINAL.

ESPERTA, coração; minha alma, acorda;
Occupa-te em louvar o Sêr dos Sêres:
Chama-te a roxa Aurora para veres
As obras que creou o Omnipotente,
Para exaltares delle a mão clemente.

Já por detrás daquelle oriental monte,
Já o esplendido sol, já vem sobindo:
Os valles, orvalhados, vão luzindo
Co' a inundação brilhante que derrama
Sobre elles do astro bello a activa chamma.

Um vapor nebuloso, lá distante,

Fluctua em torno aos montes levantados;

Cobre o espaço dos lagos socegados,
Sobe depois aos ares; vai crescendo,

E em nuvens bastas vai-se convertendo.

Meia acordada a bella Natureza
Despe da nevoa o manto, e docemente
Sorri para a manhã resplandecente,
Que trazida dos ventos vem baixando,
E nos floridos prados descançando.

Do seio dos frondosos troncos rompe
Alegre bando de aves sonorosas;
Rasgam do ar as plagas espaçosas,
E da luz o retorno festejando,
Vão concertos harmonicos formando.

Astro do dia! Origem bemfazeja
Das bençãos do Senhor, eu te saudo!
Qual Seraphim celeste, enchendo tudo
De favores, em tudo, por seu mando,
Os teus ethereos raios vens soltando.

De ti decorre, fonte interminavel,
O principio das cores, a luz pura,
Cuja torrente exalça a formosura :
O benigno calor de ti dimana,

E a força que ennobrece a vida humana.

É de ti, como em throno manifesto,
Que alguns raios do Altissimo disparam;
Do globo opaco as forças se reparam,
Abrilhanta-se o rio, as flores coram,
Orna-se a terra, os seres se vigoram.

Áquelle Deos, que só contemplar podem
As celestes essencias reverentes,
As frescas flores, realçando as frentes,
Os mais doces perfumes lhe dedicam,
E a seu modo tambem o magnificam.

Com tenues azas, susurrando alegres,
Mil insectos aqui e ali volteam;
O matutino orvalho saborêam,

Giram brincando, e bem que tudo ignoram,
As leis do Creador seguem, adoram.

Que doces vem da abobada azulada,
D'entre as folhas das arvores frondosas,

As cantigas das aves deleitosas!
A alegria, que os papos lhes dilata,

Em concentos suaves se desata.

Extasiadas formam seus gorgeios;
Monotono assobio uma ali solta

Com que o echo afinado acorda, e volta,
Quando est'outra desfecha da garganta
As modulações varias com que encanta.

Quem louvarão, senão quem tudo póde?
Tua bondade sentem, bem que entregues
Ao sentir só, meu Deos! e que tu negues,
Ás almas brutas, azas que as levante
De tua essencia á idéa relevante!

Tu porêm, ó minha alma, o Senhor louva,
Que azas te deo potentes que te lançam
Sobre tudo o que existe, e Deos alcançam
Em si mesmo; e amoroso te destina
Á sociedade angelica, divina.

Se mal as tuas forças correspondem
C'o ardor de teus desejos, balbucia
Seus louvores, em quanto alta harmonia
E dos filhos da Luz vozes sagradas
Resoam nas espheras encantadas.

Bemdito sejas pois, que me acordaste
Para vir contemplar do novo dia
As scenas variadas de alegria!

Que me déste vigor, que me conforte,
Com o somno, que é symbolo da morte.

S'inda veem os meus olhos tuas obras,
S'inda escuto a voz doce da amizade;
Se meu corpo inda tem capacidade
Para servir minha alma, e que esta absorta
Te louva, e com teu nome os ares corta;

Tua bondade, Eterno! é que o permitte:
Minha existencia, força, movimentos
Cumpram sempre fieis teus mandamentos;
E no Livro da Vida resplandeça,
Junto a meus dias, este que começa.

Abençoadas horas fugitivas,

Para onde voais? Á Eternidade?
Já vem chegando aquella da Verdade;
Sem a sentir minha alma, fluctuando,
Vossa mansa corrente a vai levando.

Quão breves são as horas que vivemos!
Quantas se passam, quantas! sem gozarmos,
Sem sacrificios puros consagrarmos

A nosso Pae celeste, e despedida
Corre sem acções nobres nossa vida!

Possa do tempo a rapida carreira
Lembrar-me como a morte já me assalta;
Mostrar-me o pouco tempo que me falta
Para dispor-me a entrar com santidade
Nos dominios da vasta Eternidade!

Communique importancia a minhas obras
Tão grande pensamento; encha-me a mente
De compuncção sublime e permanente;
De prudencia ás emprezas de meus dias,
E santifique as minhas alegrias.

Da perfeição da minha natureza
Meus desejos augmente; e a intensidade
Aqueça em mim o amor da humanidade:
Dome a paixão que mais me desatina,
E m'impede viver vida divina.

Pae dos Anjos e homens, bem conheces
O labyrintho barbaro e intrincado
Onde vago, e onde é tudo rodeado
De attractivos funestos e perigo:
Senhor! não me abandones, vem comigo.

Não posso um passo dar se não me assistes,
Se a tua mão piedosa me não guia:
Não sei seguir-te, não, qual te seguia,
Filho do Eterno, o teu Discip❜lo amado;
Ou, Magdalena absorta, ir a teu lado.

Consolador Espirito Divino!

Fonte de sapiencia e de verdade!
Desce em minh'alma, desce por piedade:
Quando enfraqueço, vem reanimar-me;
Quando érro, conter-me, ou castigar-me.

Quando a malicia humana me revolta,
E que alheio rancor me tyrannisa,
A minha alma indignada tranquillisa:
Espirito de paz, faze que acerte,
E a colera em socego me converte.

Se uma offensa me fazem, põe-me á vista
Do puro Amor a imagem sanguinosa,
Salvando a raça ingrata e criminosa :
Troca-me da vingança os movimentos
Em suaves e ternos sentimentos.

Se o sopro da soberba, tenebroso,
Vier entumecer meu fraco peito,
Serena deste vento o louco effeito;
Mostra-me o lodo vil, o pó, o nada
De que a minha existencia foi tirada.

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