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SONETO.

BEM como se perturba a clara fonte

Na agitação contínua da corrente,
A minha alma socego não consente,
Por mais que nos meus ais ancias desconte.

De cuidado em cuidado, monte em monte
Me leva este pezar que o peito sente;
Sempre diviso afflicta, descontente,
Os principios da luz pelo horizonte.

De que vem este mal? Um mal tão claro
Vem de um vago sentir que n'alma pêza:
Amor! serás comigo sempre avaro?

Amor em mim é filho da tristeza!
Eu sinto o coração ao desamparo...!
Pune, oh Deos! pelas leis da natureza.

SONETO

A uma despedida.

As horas voadoras vão trazendo

O instante fatal de uma partida,
Que dos gostos ligeiros desta vida
Um retrato funesto está fazendo.

A sociedade amavel entretendo

Esteve a paz (por pouco possuida);
Que em magoa pela dura despedida
No afflicto peito sinto ir convertendo.

Com que horrores a palida tristeza
Cobre o circulo breve dos meus annos,
Martyriza a sensivel natureza!

Como havendo pezares tão tyrannos,
E almas nobres, que adorna a singeleza,
São tão poucos os santos desenganos?!

SONETO

Feito na cérca, onde trabalhavam uns homens na agricultura.

FELIZ esse mortal que se contenta

Com a herdade dos seus antepassados,
Que livre de tumulto e de cuidados
Só do pão que semea se alimenta.

D'entre os filhos amados afugenta

A discordia cruel; vê dos seus gados,
Sempre gordos, alegres, bem tratados,
Numeroso rebanho que apascenta.

O throno mais ditoso é comparavel
Ao brando estado deste que não sente
De um sceptro d'ouro o pezo formidavel?

O que vive na Corte mais contente

Provou nunca um prazer tão agradavel
Como o deste Pastor pobre, innocente?

SONETO.

Dizendo-me uma pessoa que eu nunca havia de ser feliz.

ESP

SPERANÇAS de um vão contentamento,

Por meu mal tantos annos conservadas,

É tempo de perder-vos, já que ousadas
Abusastes de um longo soffrimento:

Fugi; cá ficará meu pensamento
Meditando nas horas malogradas,
E das tristes, presentes e passadas,
Farei para as futuras argumento.

Já não me illudirá um doce engano,
Que trocarei ligeiras fantasias
Em pesadas razões do desengano.

E tu, sacra Virtude, que annuncias
A
quem te logra, o gosto soberano,
Vem dominar o resto dos meus dias.

SONETO.

Partindo Pierio (1) para Salvaterra, e deixando-nos cheias de saudades.

DESDE

ESDE que vi brilhar a madrugada
Até'gora, que o puro sol s'esconde,
Procuro a minha lyra, e não sei donde
Algum maligno Genio a tem guardada.

Musa! clamo sentida, magoada;

Nem Musa, nem Apollo me responde:
Aonde estais, pergunto, estais... aonde...
Replicam echos, sem me aclarar nada.

Quero cantar tristissimas saudades,

Que se ausenta Pierio... Oh sorte dura!
Quanto com isto affliges tres vontades!

Porêm, chorando ausencia, é vã loucura
Invocar as Pindaricas Deidades,

Que melhor provam lagrimas fé pura.

(1) O irmão da auctora, D. Pedro d'Almeida, depois Marquez d'Alorna.

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