Imagens da página
PDF
ePub

SONETO.

Petição á melancolia para que se acabem certos dias de festa.

Tu, Deosa tutelar da solidão,

Amavel sombra, oh melancolia,
Aproxima-te, rouba-me a alegria
Que turba a suavidade ao coração.

Não prives o meu peito, Nympha, não,
Da tua triste e doce companhia,
Que suspira por ti um e outro dia
Quem de amar-te só faz consolação.

E não póde a que vive suspirante
Viver entre o tumulto muito espaço
Sem que faça o seu mal mais penetrante.

Attende, oh Nympha, o rogo que te faço,
Não demores mais tempo o doce instante,
Os dias tristes, que eu tão triste passo.

SONETO.

RETRATAR

ETRATAR a tristeza em vão procura
Quem na vida um só pezar não sente,
Porque sempre vestigios de contente
Hão de appar'cer por baixo da pintura:

Porêm eu, infeliz, que a desventura

O minimo prazer me não consente,
Em dizendo o que sinto, a mim sómente
Parece que compete esta figura.

Sinto o barbaro effeito das mudanças,
Dos pezares o mais cruel pezar,
Sinto do que perdi tristes lembranças;

Condemnam-me a chorar, e a não chorar, Sinto a perda total das esperanças,

E sinto-me morrer sem acabar.

SONETO.

ESCURO

Estando presa em Chellas.

SCURO Ceo, cravado de diamantes,

Onde o leite de Juno em soltas gotas
Reluz desde essas plagas tão remotas
'Té aos olhos dos terreos habitantes:

Se o reflexo dos astros scintillantes

Tão longe, dividindo os ares, brotas,
Saídos das entranhas minhas rotas
Cheguem lá meus suspiros anhelantes.

Tu, que reges o mundo, Author de tudo, Ouve o asperrimo som desta cadêa, Envergonha com elle o Fado rudo:

Manda cá abaixo alguma Semidéa,
Não Mercurio, nem Hercules membrudo:
Se quizeres soltar-me manda Astréa.

SONETO

A uns annos.

J

rasgado da noite o obscuro manto,

Nova luz, nova graça traz o dia,
Espalha sobre as flores alegria

A aurora, suspendendo o terno pranto:

Os passaros entoam novo canto,

Nas lyras ha tambem nova harmonia,
Até eu, triste asylo d'agonia,

Me transporto no mais suave encanto.

Um novo assombro, a obra mais polida
Da virtude, da gloria, e da grandeza
Começou neste dia a illustre vida:

É tua alma este assombro de belleza;
Tu és o heroico objecto, Margarida, (1)
Que hoje tanto ennobrece a natureza.

(1) D. Margarida Telles, Condessa de Redondo, depois Marqueza de Borba.

SONETO

Ao mesmo assumpto.

QUE

UE harmonico ruido estou sentindo,

Que os ares brandamente vem rompendo?
São Genios, que do Ceo estão descendo,
E ao natal de uma Nympha presidindo:

Margarida contentes repetindo,

Aos corações mil glorias promettendo;
Nas cavernas os ventos suspendendo,
No berço tenras flores esparzindo.

Ah cara Margarida! E se soubesses

O gosto que produz dentro em meu peito
Imaginar os bens que tu mereces!...

Acceita da amizade o puro effeito,

E se a todos os bens não excedesses,
Dos bens te desejara o mais perfeito.

« AnteriorContinuar »