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Morre tudo; seccam prantos,

Seccam os goivos tambem ; Hãode até, callar-se os cantos Que do peito aos labios vem; Morre tudo; mas não hade Morrer nunca esta saudade Que a minh'alma agora tem!

A saudade é monumento
Que não partem escarcéus ;
É um voto, um pensamento
Que da terra sobe aos céus ;
Lirio que não desabrocha,
Onda que não quebra a rocha,
Dôr que só se diz a Deus.

Ai não vives! Este gelo Nunca mais se aquecerá! Hoje posso ainda vel-o, Ámanhã é tarde já!... Estes labios descorados Ficarão sempre callados: Tudo em pó se desfará!

Pae, desprende dessa bocca
Um suspiro, um som, um ai;
Esta mão que a minha toca
Ergue-a, dá-me a bençam, Pae...
Dá-me a bencam; n'um sorriso
Dize se no paraiso

A memoria não s'esvae.

Oh! dize, dize; não sentes Estas lagrimas de dor? Destas lagrimas ardentes Não te repassa o calor? Não vão ao seio da morte Vibrar a corda mais forte Do teu paternal amor?

Dize, falla, attende o preito
Deste amor, dos votos meus ;
Ergue-te em pé nesse leito....
Quero um milagre dos, céus!
Dá-me a paz, dá-me a bonança,
Restitue-me a esperança...
Quero um milagre, meu Deus!

Basta... A morte é um misterio
Que não se deve affrontar;
O sceptro do seu imperio
Ninguem o póde quebrar;
É somno eterno, profundo
Que nunca mais neste mundo
Nunca se póde acordar.

Pae, morreste... Apenas vejo
Os teus despojos mortaes;
Este cadaver que beijo
Não póde ouvir os meus ais;
No tope do teu calvario,
Nas pregas deste sudario,
'Stá escripto- nunca mais!

J. M. DO CASAL RIBEIRO.

21

MEMORIAS D'UM DOIDO.

Introducção.

Será verdade que todos os homens nasceram eguaes em intelligencia, e que só as circumstancias exteriores decidiram da vocação de cada um ?

Esta theoria repugna, acceita em toda a sua exaggeração philosophica, mas tem muito de verdadeira. De que depende o destino? D'um acaso, d'um capricho, d'um acontecimento insignificante, d'um movimento indeterminado do espirito.

E ás vezes eu emprego-me a appreciar os factos da historia, e as creações da arte, para ver de que modo se constituiram o drama da humanidade, e as concepções do talento, dentro da esphera desta idéa.

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Supponhamos que Chatterton encontrava um especulador habil, que se aproveitasse da sua pena? Vêl-o-hiamos talvez quem sabe-membro dos communs, lord e chanceller da fazenda. Quem não leu as cartas de Werther, com as lagrimas nos olhos, e o coração palpitante?

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E se aquella Carlota, boa e inoffensiva creatura se as tem havido neste mundo, se visse viuva, acabaria aquelle pungente drama domestico, no suicidio do heroe? A exaltação romanesca resignar-se-hia porventura ao delicioso emprego de ensinar a lèr aos charos penhores n'algum exemplar do Cathecismo de Montpellier, obra jansenista, que a mim me fez curtir os mais longos abrimentos de bocca, que me lembra ter experimentado em minha vida.

Santa e commoda philosophia de não sei que M. de Biévre, que legou ao mundo esta grande novidade em verso lyrico:

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O que é a historia do individuo, senão a nar- I poder, e a mediocridade uma garantia de oberação da luta da sua alma com os mil obstacu-diencia! Doidos, por que não souberam tomar los da existencia familiar e quotidiana? a vida como ella é, e acceitar submissos a força triumphante da materia !

Existe ás vezes tão perto de nós, não digo, a felicidade ideal, que não vive na terra, mas o repouso moral, aonde se comprasem as naturesas mediocres e preguiçosas, ou as que já se cançaram de soffrer de continuo, na agonia de esperanças, e de desejos ambiciosos!... Porque deixámos fugir, porque despresámos o oasis, que nos salvaria das tempestades e do desalento do deserto!

É a sina do talento, esta viagem pela vida, sem descanço, e sem conforto! Mais ou menos, todo o homem superior, sente a voluptuosidade do soffrimento, e as delicias amargas deste duclo com o destino !

Napoleão sem S. Helena, seria o Napoleão completo, que exalta as imaginações, e que de dia para dia cresce e se idealisa no pensamento da posteridade?

Mas quando o homem superior, não póde elevar-se ás alturas do poder, e subir ao pedestal, para que o havia destinado a providencia: quando fatigado da lucta, se vê longe da gloria, para que elle aspira, e perto da obscuridade, que o aterra como a idéa sinistra do nada, então, descrê e blasphema, amaldiçôa os dons do talento, e inveja quasi a existencia pacifica e animal que elle despresára nos delirios do seu orgulho!

Nas sociedades, aonde a influencia do talento é um facto consumado aonde todas as vocações tem a arena aberta para a conquista d'uma posição gloriosa, são menos raros estes dramas pungentes, que finalisam ás vezes nas lages geladas da Morgue, ou nas cellas de Bicêtre.

Em Portugal, até a posteridade é ingrata para as agonias destes infortunios. Nem basta a gloria de Camões e de Affonso de Albuquerque, para que as suas cinzas não sejam confundidas, para que nem uma pedra singela recorde ao mundo o jazigo d'um grande homem!

E depois, a ironia dos indifferentes, e o desdem dos parvos, envenenam tambem, em vida, os que não poderam triumphar da sociedade, ou os que se resignaram a esquecer os sonhos de gloria, nas orgias da devassidão.

A quantos não se dá por ahi o nome de doidos, que nasceram coroados com a aureola do talento?.. Doidos! Doidos, é verdade, porque quizeram erguer-se do nada, e dominar esta sociedade, aonde a corrupção é um elemento de

Que querem? A nossa missão não é corear de louros as frontes ignobeis dos vencedores, mas ajoelhar sobre o tumulo heroico dos obscuros vencidos. O que vão lêr, é a historia d'um desses homens sem nome, que adormecem no seio de uma geração, cançados de soffrer, e cujo orgulho não consente vender a alma, a pedaços, aos especuladores do mundo; chega um momento, em que a mulher em quem depositavam todas as esperanças, se associa tambem aos seus verdugos: então como o Cesar da historia, embrulhamse na toga, perante o ferro homicida de Bruto, e desdenham de disputar uma vida que lhes pesa. LOPES DE MENDONÇA. (Continúa.)

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Por largo tempo calados,
Os dois amantes ficaram,
E em silencio revelaram
Os seus affectos travados

De esperança, de dôr, de susto,
Adeus proferido a custo
Dos labios delle saíu;
Della nos labios magoados,
Bailar o pranto se viu:
Era a ultima expressão,
A intima voz de amargura
Que vinha do coração.

ACTOS OFFICIAES.

10 a 17 de Outubro.

DIARIO N.° 239.

23 Extractos de algumas correspondencias de varios agentes consulares de Portugal em Inglaterra, sobre o commercio de exportação de Portugal, mui digno de ler-se, porém que por sua extensão não podemos transcrever.

DITO N.° 240.

Portaria e um officio do coronel presidente da commissão encarregada do melhoramento do Tejo.

Decreto ampliando e modificando as propostas para o emprestimo de 400 contos de réis.

DITO N. 244.

Resumo geral do lançamento da decima e impostos annexos do anno economico de 1847 a 1848 no districto de Santarem. É a sua importancia de réis 96:566736.

PROCISSÃO DO SANTO MILAGRE EM SANTAREM.

24 Em uma carta que hoje, quarta feira, 17 do corrente, recebemos de Santarem, lemos que hoje se fará alli uma procissão solemne de expiação pelo desacato commettido no santuario do Santo Milagre. As ruas estarão todas areadas, e as janellas e portas do sitio, por onde a procissão transitar, estarão armadas. Nada se tem poupado para que a procissão se faça com a magestade, que o caso demanda.

Consta-nos tambem que S. Em. o Cardeal Patriarcha de Lisboa assistirá a esta solemnidade.

Pedimos ao nosso correspondente que nos não deixe de dar noticia do como se effectuou esta solemne procissão.

SOCIEDADE PROMOTORA DA INDUSTRIA | pouco apreciada, é do dever do jornalista que ama a

NACIONAL,

Aviso.

25 Não tendo podido chegar a Lisboa, por causa do tempo que ultimamente tem cabido, muitos productos, que de diversos pontos do reino se esperavam para a exposição da industria portugueza: o Conselho de direcção da Sociedade Promotora da Industria Nacional tem resolvido prorogar por mais quinze dias a abertura da mesma exposição, devendo esta ter logar no dia 29 do corrente mez imperterivelmente.

PAPEL.

26 Chamamos hoje a attenção do fabricante. da Abelheira, sobre factos que prejudicam o bom credito da sua fabrica e os interesses da imprensa. O papel é uma mercadoria que gira no commercio por meio da boa fé das marcas. Acontece ha algum tempo, que o papel de que usamos não vem egual no formato, e parte vem roto e perfeitamente inutilisado.

Temos as provas deste facto em o nosso escriptorio, devidamente legalisadas pelo testimunho de mais de uma pessoa. Sabemos que algum dos nossos collegas tem encontrado, álem desta essencial alteração na qualidade, falta de folhas

nas mãos.

Como estamos persuadidos de que o fabricante não tem conhecimento destes factos, que prejudicam o seu credito, por isso os levamos por este meio ao seu conhecimento, sem os considerar pelo aspecto fraudulento com que se apresentam.

ESCHOLA MEDICO CIRURGICA.

27 A abertura das aulas desta eschola foi feita esle anno com toda a solemnidade. A oração inaugural foi recitada pelo Sr. Magalhães Coutinho, lente substituto da mesma eschola.

Os leitores da Revista poderão confirmar louvores que ouvimos fazer a este discurso, quando, n'um dos proximos numeros, o publicarmos.

NECROLOGIO.

Manoel Alves do Rio.

28 Mais um bom cidadão que passou deste mundo para o Reino dos Justos! O Sr. Manoel Alves do Rio era um cavalheiro, cuja falta póde ser chorada por uma nação inteira, por todo um paiz.

Quando se não abunda em cidadãos probos, quando a honra é desgraçadamente tão esquecida, e tão

virtude, que respeita a moralidade, ir plantar uma lembrança em um sepulchro honrado.

TAPETE DE OLEADO.

brica do Sr. Domingos Paschoal se fez um bello ta29 Com prazer nos consta que no Porto em a fapete de oleado para salla, sendo o primeiro deste genero que se fez naquella cidade.

Este fabricante merece muitos louvores pelo zelo com que se teem dedicado a melhorar progressivamente os acreditados artefactos da sua fabrica.

Parece-nos esta a occasião de chamar a attenção dos

fabricantes desta classe, sobre um tapete de oleado Godefroi cabeleireiro residente em Lisboa, perto do vindo ha pouco de París, o qual forra a salla do Sr. chafariz do Loreto. O tapete a que nos referimos é obra primorosa, não só pela consistencia do oleado, como tambem pelo acertado das côres, que parecem ser da melhor qualidade; seria util imitar este artefacto.

ROMEIRO.

30 Sexta-feira, 12 do corrente mez de Outubro, cerca das 9 horas da manhã, multidão de povo apinhava-se junto á ponte dos vapores, na Praça do Comparda, alforge ás costas, borracha debaixo do braço, mercio, para vêr um homem vestido de uma blusa chapéu branco desabado e bordão na mão.

Chegámos e disseram-nos, que o homem que viamos, tinha chegado, havia dois dias, do Porto, e ía embarcar no vapor, para passar ao Alemtejo.

Contaram-nos então, que elle era natural da Sardenha, e que sendo atacado de uma molestia, que The tomára a falla, e os pés, fizera voto, se Deus o curasse, de sahir, por sete annos, de sua terra, e ír, com o bordão de romeiro, visitar os logares Santos conhecidos.

A Providencia ouviu-o, e o homem cumpria a sua promesssa. Havia já cinco annos, que se tinha posto a caminho. Visitou primeiro Roma, e dahi partiu em direitura aos logares Santos na Palestina; por onde se deteve tres annos. Dahi viera pela Hungria, Allemanha, França, Hispanha.

Neste ultimo reino demorou se perto de seis mezes em Santiago, na Galliza, donde partiu para o Porto nos fins de Julho ultimo.

Visitou alguns logares nomeados por sua devoção no nosso paiz; e dirigia-se pelo Alemtejo, para o sul da Hispanha.

FALLECIMENTOS,

31 Morreu no Porto, a 7 do corrente, o Sr. José

Constancio da Fonseca, major de caçadores n.° 7, na 3. secção. Foi enterrado no cemiterio de Cedofeita, com as honras devidas. Deixou pobres a sua viuva e seis filhas menores.

Morreu em Guimarães o Sr. José Joaquim Vicira.

Na Figueira falleceu o Sr. Antonio de Oliveira e Sá era um accreditado negociante de Coimbra, e estava tomando banhos na Figueira. Diz o Observador que avaliam a sua fortuna em 60 contos de réis. Parece que não tem herdeiro. Não appareceu testamento.

No Porto, a 8 do corrente, morreu a Ex. Sr. D. Anna Benedicta Forbes de Almeida.

Deram parte a quem competia do succedido, e pararam com a obra, segundo nos disseram. Com effeito receberam depois ordem para tapar tudo e continuar no trabalho do assentamento dos columnellos.

Não nos parece que foi acertada esta determinação. Julgavamos prudente que a camara continuasse a excavação para examinar o que aquillo era, não porque julguemos que o achado alli valesse a pena do trabalho, mas por que sendo o que se encontrou uma especie de abobada e achando-se a calçada assente sobre ella, poderá dar-se o caso, de que algum dia abata, e cause damno ás pessoas, que nessa occasião por alli transitem.

Pelo que deixamos dito, julgamos que valeria a pena de ter-se procedido a um exame minucioso.

PRIMEIRO NÓS, DEPOIS VÕS.

32 Em um dos dias do meado do mez findo, uma mulher que habitava para as bandas do bairro de S. José, atacada de um forte spleen, que a accommetteu em consequencia de uma erisipela, que lhe sobreveio ao rosto, imaginou que se devia matar. Da imaginação passou ás obras, e lançou-se a um poco que existia em um quintal de um seu visinho. Pessoa que viu executar-se este acto de desespero, foi avisar o marido, que acudiu a salvar a sua cara metade. A perturbação, em que este se achava, não o deixou tomar as necessarias precauções para salvar a esposa. Ata uma corda á cintura, pede a alguns circumstantes que o descam ao fundo do poço, que felizmente não era grande. Chega abaixo, e contando mais com a sua amisade do que com as suas forças, toma da mulher, e carregado daquelle precioso fardo grita para cima que o puxem.

Durante os primeiros segundos de ascensão o caso foi bem; porém chegado quasi a dois terços da altura do poço, viu-se na alternatíva de ou perder as forças e o tino e de caír tambem ao poço, ou para se salvar, largar o seu precioso fardo. Hesita, dá gritos aflictos, e vencendo nelle o amor da existencia, larga a mulher que por segunda vez baldea ao fundo do poço.

Meia hora depois entra em casa com o corpo da mulher sem sentidos.

Consta-nos agora que esta mulher se acha quasi restabelecida da doença e da mania do suicidio.

UM CADAVER POR 1800.

34 Foi no Porto que se arbitrou o preço de 4800 réis para um cadaver.

Tendo-se afogado no Douro o capitão de um navio mercante inglez, prometteram uma moeda a quem lhe tirasse o cadaver do rio. Um rapaz conseguiu este fim e ganhou o premio. Ao mesmo tempo e sem paga achou o cadaver de um pobre tanoeiro que havia dias tinha morrido afogado. O cadaver do inglez foi cuidadosamente recebido pela tripulação do navio a que pertencêra, o cadaver do pobre tanoeiro ficou exposto na praia por todo o dia, tendo alli sido posto ás 5 da manhã era portuguez!

35

ROUBO DE CORREIO.

Junto á Ribeira do Teo, no sitio denominado, a Cova dos Ladrões, na noite de 11 para 12 do corrente, o correio, que condusia a malla da Venda do Duque para Extremoz, foi roubado por quatro homens, que lhe sahiram ao encontro. Das varias narrações que vimos deste facto, se collige que o fim dos perpetradores deste attentado não foi o roubo de objectos de valor, porém sim o roubo de alguma correspondencia. Varios signaes induziram a crèr que os roubadores não eram pessoas da classe baixa da sociedade. Tudo faz presumir que neste roubo and a mysterio, que só a policia poderá decifrar.

RUINAS DO TERREMOTO.

33 Quarta feira da semana passada, quasi junto ao angulo, que o passeio da Praça de D. Pedro forma defronte da rua do Ouro, abrindo os trabalhadores da Camara Municipal uma cova para assentar um cclumnello, onde se deve collocar um candieiro de gaz, deram no fundo da cova com uma especie de abobada, tendo dentro porção de trigo queimado e varios objeetos de pouca monta,

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36 Pelos jornaes do Porto e de Coimbra, vemos com pezar que nas provincias do norte do reino, o tempo tem estado pessimo. As chuvas teem sido copiosas, e tem produsido enchentes nos ribeiros e rios, que tem causado bastantes estragos: porém de varias correspondencias, que temos presentes, mormente uma de Trancoso, se deprehende que os estragos não são tamanhos como se dizem; e que o susto tem engrandecido mais do que elles realmente são; e que em compensação destes estragos as chuvas teem tido a vantagem de fazerem rebentar as fontes, que haviam

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